Autonomia do Banco Central e a perseguição de metas de inflação poucas vezes foram temas tão relevantes, tanto no contexto internacional quanto aqui no Brasil. No cenário global, após quatro décadas de inflação sob controle e juros em tendência de queda, estamos assistindo um ambiente de inflação mais elevada, persistente e volátil. Isso obriga os bancos centrais (BCs) a apertarem a política monetária, aumentando suas taxas básicas de juros rapidamente. Nesse sentido, o risco é de que ao perseguir metas muito baixas os BCs podem sacrificar a atividade econômica e o emprego desnecessariamente. Além disso, os programas de afrouxamento quantitativo implementados pelas diversas autoridades monetárias, com a compra de títulos públicos, têm gerado questionamentos com relação à verdadeira independência dos BCs, expondo a zona cinzenta entre a política monetária e a política fiscal dos governos.
Olivier Blanchard, economista francês e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, argumentou no fim do ano passado¹ que a meta de inflação deveria ser de 3%, já tendo defendido anteriormente uma meta maior, de 4%. O argumento principal é o de que ao perseguir uma meta maior o BC teria margem de manobra mais ampla quando for necessário cortar juros, já que estaria mais distante do limite de zero (Zero Lower Bound). Blanchard argumenta que acima de 4% a inflação se torna mais visível ao público, aumentando o risco de contaminação das expectativas. Portanto, a meta em 3% seria mais adequada.
Nos EUA, com o desemprego historicamente baixo, o FED vem subindo a taxa de juros perseguindo a sua meta de 2% no longo-prazo. Mas, existe a desconfiança se de fato quando a taxa de desemprego aumentar, e ao ver a inflação já na casa dos 3%, o BC americano acomodará uma inflação mais alta de forma permanente.
No Brasil, o inegável problema dos juros reais muito elevados traz à baila o questionamento sobre a factibilidade do atingimento de uma meta considerada ambiciosa para nossos padrões históricos e estrutura econômica. Até julho deste ano o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidirá a meta de inflação para o ano de 2026. Representantes do novo governo, inclusive o Presidente da República, têm feito duras críticas à atuação recente do BC, pedindo pelo corte de juros imediato. Há ainda rumores tanto sobre a revisão das metas de inflação quanto a reversão da lei de autonomia do BC promulgada em 2021. Além disso, o governo atual indica dois diretores este ano e, ao final de 2024, terminará o mandato do atual Presidente do BCB. Estas questões têm elevado os prêmios de risco exigidos para os ativos brasileiros.
Para lançar luz sobre todos esses temas faremos uma revisão da evolução dos Bancos Centrais e da política econômica de combate à inflação, trazendo elementos da teoria econômica que moldam a maneira como estas instituições pensam e agem. Nesse sentido, vamos elaborar sobre o conceito de independência e autonomia do Banco Central e discorrer sobre o regime de metas de inflação que são as pedras angulares da atuação dos BCs atualmente.
Vale esclarecer de antemão que não existe neste texto a pretensão de avaliar o juízo de nenhuma política econômica ou teoria específica. O próprio fenômeno inflacionário é multifacetado e diferentes correntes de pensamento econômico enfatizam distintos aspectos do processo. Finalmente dissertaremos sobre o caso brasileiro e a conjuntura recente apresentando nossa conclusão.
Independência e Autonomia do BC
Um banco central (BC) é a instituição governamental responsável pelas seguintes funções: i) emissor de dinheiro, sendo responsáveis pelo funcionamento do sistema de pagamentos e condução da política monetária ii) depositário das reservas bancárias, funcionando como banco dos bancos e Depositário dos recursos do governo iii) emprestador de última instância, sendo responsável pela estabilidade do sistema financeiro e atuando como órgão regulador.
A primeira questão a abordar é: se estamos falando de uma instituição governamental, o que significa um BC independente? Independente em relação a quem?
Neste momento vale uma reflexão sobre a origem desta instituição. Segundo Senna (2010)², “análises históricas sobre sistemas monetários habitualmente contêm poucas referências a bancos centrais. A razão é simples: trata-se de uma instituição recente, incomparavelmente mais nova que moeda e política monetária... essa moderna instituição experimentou um processo evolutivo próprio... Banco Central tal como hoje conhecido é fruto de transformações processadas em instituições preexistentes”.
De fato, os primeiros bancos centrais foram os da Suécia fundado em 1668 e o da Inglaterra em 1698. Ambas as instituições foram oriundas da iniciativa privada, mas de alguma forma resolviam um problema relacionado ao governo e assim eram intimamente ligados a ele. O banco da Inglaterra foi fundado para agir como banco da Coroa e financiar o esforço de guerra contra a França, tendo como acionistas principais o rei e a rainha. Já o BC sueco teve origem no Banco de Estocolmo, um banco privado pioneiro na emissão de notas lastreadas em cobre, que era o metal usado como dinheiro.
A figura ao lado foi elaborada em 2020 e ilustra o número de bancos centrais mundiais, à época do surgimento dos principais BCs dos países desenvolvidos, e o número de BCs considerados independentes.
Percebe-se, já na origem, a complexidade da relação entre esta instituição e os demais setores governamentais. Assim sendo, quando falamos de independência do BC, estamos nos referindo a sua liberdade com relação ao restante da administração governamental. Alan Blinder, ex-governor do Federal Reserve e acadêmico de assuntos monetários, escreve em seu livro sobre Central Banking que “a independência do banco central significa duas coisas: primeiro, que o BC tem liberdade para decidir como tentar atingir seus objetivos, segundo, que é muito difícil que qualquer outro setor do governo anule suas decisões.”
Blinder não se refere à independência como liberdade do BC de definir seus próprios objetivos, mas sim na maneira de alcançá-los. Nesse sentido, a literatura especializada separa a independência de objetivos da independência de instrumentos³ – a primeira se referindo ao BC livre para determinar seus próprios objetivos e a segunda a liberdade do BC de escolher os meios pelos quais alcançam seus objetivos. Neste momento vale uma digressão sobre a distinção entre o termo independência e autonomia. Apesar de serem sinônimos e comumente usados de forma intercambiável, parece-nos que acerca deste tema, a independência está relacionada à ausência de influência política na condução da política monetária. Enquanto a autonomia está relacionada ao grau de controle nas questões operacionais e processos decisórios internos ao BC.
Na prática, a relação entre BC e governo envolve aspectos como o papel dos governantes em indicar e demitir diretores, poder de voto em comitês, grau de controle orçamentário ao qual a instituição é submetida, o quanto ela pode emprestar recursos ao governo e se seus objetivos são definidos de forma clara e explícita em seus estatutos. O quão livre é o BC das pressões do Presidente da República ou do Congresso Nacional? Ele é guiado por considerações econômicas ou políticas?⁴
O estudo de referência na medição da independência do BC foi publicado em 1992⁵, no qual os autores analisaram 72 países durante período significativamente longo. A metodologia que se popularizou consiste na elaboração de um índice que varia entre 0 e 1 e leva em consideração critérios relacionados i) à chefia executiva do banco central, ii) à formulação das políticas, iii) aos objetivos ou mandatos do banco e iv) a limitações no que se referem às operações de crédito com o governo. Outros trabalhos avaliam tanto o grau de autonomia legal dos bancos centrais quanto de fato buscam avaliar o grau de independência dos BCs a partir de medidas alternativas com o uso de questionários ou da taxa de rotatividade na instituição.⁶
Em termos gerais, a atual prática das sociedades democratas é escolher os objetivos da política monetária e do BC por meio dos políticos eleitos que delegam à instituição monetária a tarefa de cumpri-los. Nos EUA, o Congresso por meio do Federal Reserve Act estabeleceu que o FED deve conduzir a política monetária “de modo a promover efetivamente as metas de máximo emprego, preços estáveis e taxas de juros moderadas de longo prazo”. No Brasil, a lei que rege o BCB estipula em seu artigo primeiro que “O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços. Sem prejuízo do seu objetivo fundamental, o BCB também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.
Apesar de existir uma correlação negativa entre independência do BC e a inflação⁷ é muito difícil estabelecer uma relação causal consistente entre estas duas variáveis e, como comumente ocorre em economia, os estudos empíricos não são conclusivos. Mas a teoria e a intuição econômica dão suporte à ideia de que um BC independente e comprometido com a estabilidade de preços como objetivo principal tende a produzir inflação mais baixa e estável. E esta é a ponte para falarmos do regime de metas de inflação. Mas antes disso faremos um breve resumo sobre como pensam os BCs no que concerne à política monetária.
Como os Bancos Centrais pensam
No primeiro capítulo do livro “Interest and Prices”, Michael Woodford⁸ descreve o consenso acadêmico da atuação dos BCs modernos na virada deste século. Boa parte deste consenso se baseia na teoria econômica neo-keynesiana produzida nas décadas de 70 e 80, que, por sua vez, incorpora contribuições fundamentais de economistas novo-clássicos. Em destaque temos o papel central das expectativas dos agentes econômicos e a modelagem mais rigorosa dessas expectativas. Este consenso acredita que a política monetária tem impactos apenas de curto-prazo na atividade econômica, conforme a relação entre emprego e inflação – a famosa curva de Phillips. Todavia, no longo prazo a política monetária afeta apenas a inflação e não as variáveis reais, como o produto e a taxa de desemprego.
Outra questão operacional que se consolidou foi o uso da taxa de juros de curtíssimo prazo no mercado monetário, a taxa básica, como instrumento principal de condução da política monetária. Desta forma, temos os elementos básicos do consenso da política monetária: O BC controla a taxa de juros de curtíssimo prazo para afetar a demanda da economia, e dadas as defasagens, afetar a taxa de inflação.⁹
No início da década de 70 tivemos o fim da conversibilidade das moedas nacionais em ouro, e, consequente, o fim do acordo de Bretton Woods inaugurando sistemas monetários totalmente fiduciários¹⁰, deixando de existir qualquer tipo de âncora para os níveis de preços. Não é à toa que as décadas de 70 e 80 foram as décadas de inflação elevada e volátil globalmente, com efeitos econômicos deletérios. Havia a necessidade de uma nova âncora, isto é, uma variável nominal como a oferta de moeda ou a própria taxa de inflação que “amarrasse” o nível de preços proporcionando sua estabilidade.
A estabilidade de preços é entendida como taxa de inflação baixa e estável¹¹. O diagnóstico da experiência inflacionária das décadas de 70 e 80 foi de que choques de oferta acomodados pelas autoridades monetárias, seja por pressão política ou por desconhecimento do funcionamento da economia, acabaram por contaminar as expectativas e produziram uma espiral preços-salário. Outro debate relevante relacionado foi a questão de “regras x discricionariedade” na condução da política monetária. Os formuladores de política econômica são sujeitos ao problema da inconsistência intertemporal, isto é, as preferências de tomadores de decisão mudam dependendo do horizonte temporal. Nesse sentido, regras de política monetária seriam superiores à discricionariedade.
Metas de Inflação
O regime de metas de inflação foi a resposta dos principais BCs para todas estas questões. Nele, a taxa de inflação escolhida como meta é a própria âncora do nível de preços. É um arcabouço de política monetária caracterizado pelo anúncio público de metas quantitativas para a taxa de inflação - que pode ser um número ou uma faixa de flutuação - em uma ou mais janelas temporais, com um reconhecimento explícito de que a inflação baixa e estável é o objetivo primordial da política monetária no longo-prazo.
Ben Bernanke, ex-presidente do FED e outro importante economista acadêmico, argumenta que o regime de metas de inflação (RMI) proporciona melhor equilíbrio no trade-off entre credibilidade e flexibilidade. O RMI teria discricionariedade restrita (constrained discretion). Em seu livro¹² recente Bernanke reflete sobre como implementou o RMI nos EUA e escreve: “se a meta de inflação é crível os agentes devem desconsiderar mudanças temporárias na inflação como choques de preços de alimentos e energia sem que sejam incorporadas nas expectativas de longo prazo e no comportamento da definição de preços e salários.”
O primeiro BC a adotar explicitamente o regime foi o banco central da Nova Zelândia. Somente em 2012, com Ben Bernanke como Presidente do FED, os EUA adotaram formalmente o regime de metas de inflação (processo que Bernanke descreveu no capítulo 7 do seu livro). A tabela abaixo ilustra os BCs que adotaram metas de inflação (MI).
Sobre a implementação operacional das MI surgem diversas perguntas. Por exemplo: Qual seria a meta de inflação ideal? Qual o tamanho da banda de tolerância para a inflação? Qual horizonte de tempo deveria ser considerado para o atingimento das metas? Em quais circunstâncias mudanças nas metas seriam justificáveis? É importante destacar que não existem respostas óbvias para estas questões e todas elas passam de alguma forma pelo já mencionado dilema entre credibilidade e flexibilidade.
A rigor, estabilidade de preços significa inflação próxima de zero. Mas existem razões pelas quais a inflação zero não é adequada. Estas razões variam desde um viés altista da inflação verdadeira como medida pelos índices de preços, à desejável margem de segurança para a não ocorrência de uma espiral deflacionária deletéria (uma preocupação bem importante nos BCs de países desenvolvidos até bem pouco tempo atrás) até o fato considerado por Blanchard citado anteriormente, sobre a falta de espaço para cortes de juros caso necessário. Segundo Bernanke “Esses riscos sugerem que a meta de inflação deveria ser definida acima de zero – digamos, ao redor de 1% a 3%.” Na prática os BCs de países desenvolvidos como EUA, Inglaterra, Canadá, Australia escolheram 2% como meta enquanto países emergentes, mais sensíveis a choques econômicos e financeiros, escolheram metas mais elevadas e/ou banda de flutuação mais ampla. Chile, México e Colômbia, por exemplo, têm meta de 3%, e o Brasil ficou com meta de 4,5% entre 2005 e 2018.
A questão da justificativa para alteração nas metas está relacionada à “flexibilidade com moderação” que o regime permite. Uma das principais justificativas, ponto pacífico na literatura, é a ocorrência de forte choques de oferta como alta de preços de energia e alimentos, sobre os quais os BCs não têm controle algum e cujo aumento de juros para combater só aprofundaria a queda da atividade econômica. Outra forma de mudança temporária comumente utilizada na presença de choques é a extensão do prazo de tempo para a convergência da inflação para a meta que, na conjuntura atual, é o mecanismo que os BCs optaram para lidar com o choque da pandemia e da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Finalmente cabe destacar a importância da credibilidade e da reputação do BC na ancoragem das expectativas de inflação em torno da meta. Quanto maior esta ancoragem menor é o custo da desinflação em termos de atividade econômica e emprego, a chamada taxa de sacrifício.
O Caso Brasileiro
A primeira proposta de lei para uma regra de autonomia para o Banco Central do Brasil (BCB) enviada ao Congresso Nacional foi no início de 1989 (PLP 200/1989), mas foi apenas em 2021 que foi aprovado o marco legal que regulamentou a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do BCB através de lei complementar (PLP 19/2021). Com isso, a instituição foi desvinculada do Ministério da Fazenda (na época parte do ministério da Economia).
Hoje a estrutura da condução da Política Monetária (PM) funciona basicamente da seguinte forma: o Conselho Monetário Nacional (CMN), atualmente formado por dois membros de ministérios do governo (Ministério da Fazenda e Planejamento) e pelo Presidente do BC, determinam a meta de inflação (mensurada pelo índice IPCA) que será perseguida nos anos seguintes. A partir daí, cabe ao BC buscá-la por meio de seus instrumentos, primordialmente a definição da taxa Selic.
Já a presidência da autoridade monetária, bem como o corpo de diretores, é indicada pelo presidente da República para mandatos fixos de quatro anos (com possibilidade de reencaminhamento para um segundo mandato) não coincidentes ao mandato do presidente da República.¹³
Desde a implementação do Regime de Metas, em 1999 (meta de 8% na época), até 2022, a inflação ficou dentro dos limites da meta estabelecidos para cada ano 16 vezes (cerca de 71% do total). Em outras sete ocasiões ficou acima do teto e apenas uma vez, em 2017, ficou abaixo do limite inferior (embora por apenas 5 basis points¹⁴)¹⁵. Na época, Ilan Goldfajn, que havia assumido a presidência do Banco Central em meados do ano anterior, escreveu uma carta aberta justificando o acontecimento. No documento ele relatava que a inflação abaixo da meta era resultado de uma série de fatores, incluindo a recessão econômica, a queda dos preços dos alimentos e a implementação de políticas monetárias eficazes.
À época em que Ilan assumiu, havia alguma pressão para subir a meta, mas a decisão final foi por mantê-la. No passado, as metas de inflação haviam sido revisadas para cima duas vezes. Uma em 2002, sob a gestão de Arminio Fraga, em meio à grande incerteza política e econômica às vésperas da eleição presidencial diante de forte depreciação cambial. Logo em seguida, em 2003, o recém-apontado Presidente do BC, Henrique Meirelles, anunciou que sua política de juros teria por objetivo atingir uma inflação de 8,5% em 2003 e 5,5% em 2004. Nesse caso, a meta de 2003 não foi revogada oficialmente, apenas descumprida. Em ambos os casos, a autoridade monetária julgou que o custo da desinflação rápida (provavelmente causando recessão) era alto demais.
Após esse período, tivemos certa estabilidade na meta de inflação. De 2005 até 2018 ela foi mantida em 4,5%. Foi apenas em 2019 que as metas de inflação passaram a ser reduzidas gradualmente – em 25 pontos base por ano – até que atingissem 3,0% em 2024, nível em linha com o visto em outras economias emergentes como México, Chile e Colômbia. A banda de variação, por sua vez, ficou estável em 2,0 pontos percentuais (para cima ou para baixo) desde 1999 até 2016, caindo para 1,5 p.p. de 2017 em diante.
Recentemente, como mencionado na introdução deste texto, a discussão sobre o nível ideal da meta de inflação no Brasil foi retomada. O gráfico abaixo mostra o descolamento das expectativas de inflação da meta de 3% para os anos de 2025 e 2026 ao longo deste ano. Este descolamento coincide com os ataques à autonomia do BC e à atual meta de inflação.
Esta desancorarem é problemática, pois altera o comportamento dos agentes que definem preços, se refletindo, por exemplo, num aumento do passthrough de depreciações cambiais. ¹⁶
A discussão em si não é um problema. Os argumentos contrários a uma alteração se baseiam na semelhança com as metas de outros países emergentes e no custo reputacional de alterar a meta em um momento de inflação elevada. Mas a defesa de uma mudança tem bons argumentos, que vão desde o custo econômico para se alcançar as metas estipuladas em um ambiente de desaceleração econômica, o elevado grau de indexação da economia brasileira, a maior rigidez do mercado de trabalho até as dificuldades em conciliar metas baixas num ambiente de fragilidade fiscal caracterizado por dívida bruta alta e pouco espaço para ampliação dos gastos públicos. ¹⁷
Conclusão
Autonomia do BC foi um importante avanço institucional do país e em combinação com o regime de metas de inflação constitui poderosa força para manter a inflação sob controle, que foi conquistada a duras penas.
Não é um tabu que a sociedade discuta e eventualmente alterem-se parâmetros do regime de metas de inflação, a própria meta ou aprimorá-la ao longo do tempo conforme a experiência. O arcabouço de MI é flexível e o BCB atualmente tem usado esta flexibilidade através da extensão do horizonte em que se preocupa na convergência da inflação para a meta.
De qualquer forma, é bem possível que o CMN vá alterar a meta de inflação no Brasil para 4% e, não é por acaso, que as expectativas de inflação do Boletim Focus estão se estabilizando em torno deste patamar. No entanto, a comunicação e condução desta mudança é de suma importância. O que nos parece equivocado é aumentar a meta de inflação de forma atabalhoada como forma de pressionar o BC para cortar juros. Isto seria um duro golpe na autonomia e no arcabouço de metas de inflação.
Referências:
- Blanchard, Olivier. It is time to revisit the 2% inflation target. Financial Times. November 2022.
- Senna, José Júlio. Política monetária: ideias, experiências e evolução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
- Debelle, Guy; Fischer, Stanley. How Independent Should a Central Bank be?. 1994.
- Walsh, Carl E. Central bank independence. 2005.
- Cukierman, Alex; Webb, Steven b.; Neyapti, Bilin. Measuring the Independence of Central Banks and Its Effect on Policy Outcome. 1992.
- Jácome, Luis I.; Pienknagura, Samuel. Central Bank Independence and Inflation in Latin America—Through the Lens of History. IMF Working Paper. 2022.
- Alesina, Alberto; Summers, Lawrence H. Central Bank Independence and Macroeconomic Performance: Some Comparative Evidence. 1993.
- Woodford, Michael. Interest and Prices. 2003.
- Goodhart, Charles A. E. What Should Central Banks Do? What Should Be Their Macroeconomic Objectives and Operations? 1994.
- Leia mais sobre esse assunto em nossa Carta 34, “Moeda, Tecnologia e Futuro”, disponível em nosso site turimbr.com/publicacoes/carta-turim/
- Alan Greenspan, ex-presidente do FED entre 1987 e 2006, deu sua definição num depoimento ao congresso americano em 2005 de que seria “um ambiente no qual mudanças esperadas no nível geral de preços não alteram as decisões das empresas e das famílias.”
- Bernanke, Ben S. The Federal Reserve from the Great Inflation to COVID-19. 2022. & Bernanke, Ben S., Laubach, Thomas, Mishkin, Frederic S., & Posen, Adam S. Inflation Targeting: Lessons from the International Experience. 1999.
- O mandato do presidente do BCB tem duração de 4 anos com início no dia primeiro de janeiro do terceiro ano do mandato do presidente da república.
- 1 basis points ou 1 bp = 0,01% ou 1/100 pontos percentuais
- Segundo apresentação do BCB na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal de 2023, Chile, Colômbia e Peru (que adotaram o RMI no mesmo ano ou após o Brasil) tiveram todos oito anos de inflação acima do limite superior da meta, enquanto o Brasil teve apenas sete.
- Assistimos a palestra com Carlos Carvalho e Marco Bonomo no CDPP em abril onde eles debateram o assunto “Determinação de Preços Individuais Quando as Expectativas Estão Desancoradas”. https://iepecdg.com.br/periodo-seminario/2023-1/ Em breve, eles publicarão o paper "Price Setting when Expectations are Unanchored" sobre o tema.
- Araujo, A.; Santos, R.; Lins, P. C.; Valk, S. Inflation Targeting under Fiscal Fragility. 2020.